“Prefiro ser essa metamorfose ambulante do
que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.” Raul Seixas
Ser ou não ser, eis a questão. Eis o dilema que desestabiliza uma
sociedade pautada pela inflexibilidade, pelas regras rígidas que determinam o
gênero, a sexualidade, o padrão de beleza, o comportamento correto, o amor
perfeito, o casamento ideal, a idade certa pra cada realização. Enfim, vivemos
tempos caóticos em que as transgressões ao status
quo geram a realidade que tentamos compreender. Tempos de violência que
suscitam a busca pela paz. Tempos de desespero e solidão que mobilizam
campanhas por abraços e afetos. Tempos de intolerância que promovem a
compreensão do amor incondicional. Tempos de mortes que impulsionam a
valorização da vida. Tempos em que, do caos deverá surgir uma nova ordem, um
novo mundo.
É sobre essas contradições e o valor que elas têm para o equilíbrio planetário
que proponho essa reflexão a partir de alguns pensadores que já apontavam a
impermanência de tudo o que existe como forma de estabilidade, ou seja, “tudo
muda o tempo todo no mundo” (Lulu Santos), essa é a dinâmica da vida. O pensamento de Raul Seixas também responde à
inquietação humana, à necessidade de metamorfose que, nada mais é do que uma
lei da natureza: a impermanência recolocando caoticamente as coisas no lugar,
já que ordem nasce do caos, desde a origem do universo.
Heráclito de Éfeso propõe que vida é constante movimento e, portanto,
transformação ou devir. É, por isso, o filósofo do devir, do vir a ser. “O devir é caracterizado por um contínuo fluir das coisas
de um contrário ao outro: “as coisas frias se aquecem, as coisas quentes se
esfriam, as coisas úmidas secam, as coisas secas umedecem”; “o jovem envelhece,
o vivo morre, e assim por diante.” (REALE; ANTISERI, 1990 p. 65). É dele
a famosa frase “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, pois o rio flui, em
constante movimento, jamais sendo o mesmo.
As metamorfoses da vida, a
impermanência, o eterno “devir” como lei da natureza aplica-se também ao ser.
Para ele, não é possível “ser”, como um processo acabado, na medida em que o homem
está em constante mutação, em permanente metamorfose ambulante e, por isso, não
é possível consolidar uma identidade permanente. O “ser e não ser” de Heráclito
evidencia a concepção de unidade composta pelos contrários, pela duplicidade,
ou seja, tudo o que existe traz em si o verso e o reverso como verdadeira
identidade de ambos: um depende do outro para identificarem-se.
Da mesma forma que para Heráclito nada existe concretamente, o autor da
letra destaca essa impossibilidade de ser estável em relação às concepções
existenciais, de se ter uma identidade definida: “Eu prefiro ser essa
metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. (...)
Sobre o que é o amor. Sobre o que eu nem sei quem sou.”
Observa-se que a
metamorfose só é possível pela existência dos opostos: Se hoje eu sou estrela. Amanhã já se apagou/ Se hoje eu te odeio/Amanhã
lhe tenho amor/Lhe tenho horror. A dualidade interna está manifesta. Ele prefere viver “nessa metamorfose
ambulante”, no devir que traz sempre
o desafio do novo no lugar da estabilidade que o tempo envelhece.
Do caos ao cosmos, da conexão
interna ao universo, eis a jornada que a humanidade deve percorrer para ordenar
o que está disperso, harmonizar o desconcerto das vidas, curar das almas as
feridas, transformar o ódio em amor e compreender, finalmente, que o ódio nada
mais é que o Amor que adoeceu.
Referência:
Reale,
Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média I Giovanni
Reale, Dario Antiseri;-São Paulo: PAULUS, 1990.-(Coleção filosofia)
Célia
Firmino
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